A descoberta da gravidez é um momento marcante na vida de uma mulher e vem carregado de significados e mudanças.
Gerar um bebê envolve uma doação total de energia e o corpo se prepara para essa jornada de 9 meses com grandes alterações hormonais e físicas que podem afetar não só a libido, mas também a relação da gestante com o mundo e consigo mesma.
Neste Dia das Mães, para entender os dilemas que as mulheres enfrentam com relação ao sexo na gravidez, o gshow conversou com a médica ginecologista Fátima Oladejo e com a psicóloga e sexóloga Fabiane Marcondes.
Os desafios de cada trimestre
O sexo durante a gestação pode ter muitos tabus, mas Oladejo explica que, no geral, a atividade sexual é segura e pode ser mantida sem problemas durante uma gestação saudável.
As contraindicações, devidamente orientadas pelo profissional de saúde, existem em casos como de sangramento inexplicado, placenta prévia (que é quando a placenta está próxima ou em cima do colo do útero), risco de parto prematuro e rompimento a bolsa.
A questão, então, é entender as mudanças físicas de cada etapa da gravidez e se adaptar a elas, como variar as posições durante a relação para garantir mais conforto para a gestante.
“No primeiro trimestre, a gente está enjoada, cansada, os hormônios ainda estão se adaptando, então tem uma oscilação de hormônio muito grande, e isso normalmente abaixa a libido. Aí vem o segundo trimestre, onde a gente está mais disposta. Para alimentar aquele útero, a pelve fica com muito sangue, isso também pode interferir no aumento da libido”, explica.
Com a gestação mais avançada, novos desafios se impõem e podem tornar a relação da grávida com o próprio corpo – e com o sexo – mais complexa.
“No terceiro trimestre, a mulher está pesada, desconfortável na posição para dormir, com ansiedade em relação ao parto. Aí entram outras questões também: tem mulher que fica com a autoestima abalada durante a gravidez, ela se olha no espelho e não se reconhece”.
A médica destaca ainda que, além das mudanças físicas, questões de saúde mental e da qualidade do relacionamento também podem afetar a disposição da mulher para o sexo.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_e84042ef78cb4708aeebdf1c68c6cbd6/internal_photos/bs/2025/r/z/tgWGKdRxWtDBLLPl42ZQ/close-vertical-de-um-casal-de-lesbicas-gravidas-fazendo-uma-sessao-de-fotos-em-um-parque-1-.jpg)
Sexo na gravidez — Foto: @wirestock / Freepik
Uma nova identidade e um antigo dilema
Para além da transformação física e hormonal, a gestação também envolve uma mudança emocional e identitária que pode afetar a sexualidade de forma significativa. Desse modo, mulheres podem experimentar um estranhamento com sua autoimagem e até mesmo ter a sensação de “perder” o próprio corpo.
“A forma como cada pessoa percebe e se relaciona com seu corpo é parte de sua autoimagem, que está em constante construção e transformação, especialmente em momentos tão marcantes como a gravidez. Sentir que está ‘perdendo o próprio corpo’ pode ser, na verdade, a expressão de um conflito: de um lado, o desejo de estar imersa na experiência da maternidade; do outro, o medo de que isso apague dimensões importantes da própria identidade, como a sensualidade e o erotismo”, explica Fabiane Marcondes.
De acordo com a sexóloga, o dilema entre maternidade e sexualidade existe para muitas pessoas, uma vez que, em alguns contextos, a figura da mãe é relacionada com os ideais de pureza e abnegação, ideais nada relacionados com a sensualidade e a prática sexual.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_e84042ef78cb4708aeebdf1c68c6cbd6/internal_photos/bs/2025/R/H/5bZbfCTuGXXpaZwJxsUw/mulher-gravida-com-marido-e-ultrasonografia.jpg)
Sexo na gravidez — Foto: Freepik
Um exemplo disso é que, para alguns homens, ver a companheira parindo ou amamentando pode mexer com seu desejo, não por uma questão biológica, mas por construções culturais que separam a “mãe” da “mulher desejável”.
Assim, muitas vezes a maternidade provoca um choque identidade e é comum que muitas mulheres se sintam deslocadas de si nesse processo. De acordo com a sexóloga, o desafio não está em “voltar a ser quem era”, mas sim em dar espaço para se redescobrir, com novas camadas, novas demandas e novas possibilidades.
“É necessário olhar para esse conflito sem tentar consertá-lo, mas sim reconhecê-lo e acolhê-lo no momento presente. É uma forma de integrar essas polaridades: sim, é possível se sentir mãe e, ao mesmo tempo, mulher desejante e desejada, com suas inseguranças, sua vaidade e sua potência erótica”, destaca.
Rede de apoio
Conflitos entre sexualidade e maternidade não chegam ao fim com o parto, muito pelo contrário: eles podem piorar. Com a chegada do bebê, o cansaço a privação de sono e as mudanças do puerpério geram uma sobrecarga emocional que demanda muita escuta e acolhimento. É nesse momento que ter uma rede de apoio se torna fundamental.
“Espaços de escuta e acolhimento são primordiais para que a mulher não adoeça na tentativa de dar conta de tudo. Igualmente importante é a construção e manutenção de uma rede de apoio composta por familiares, amigos e profissionais de saúde. Esta rede não apenas alivia a carga de responsabilidade, mas também oferece suporte emocional”, destaca Marcondes.
A especialista destaca, ainda, a importância de olhar para a gestação e para a maternidade para além de limitações impostas socialmente.
“Eu reforço que é possível olhar esse momento da vida como potência: o desconforto e o estranhamento podem ser o ponto de partida para uma transformação criativa. Por isso, não se trata de ‘manter viva a mulher de antes’, mas de permitir uma nova versão de si mesma, uma versão que ainda deseja, que ainda sonha, que ainda tem projetos e vontades.”